domingo, 10 de fevereiro de 2013





PARA LER,MEDITAR E FORMAR OPINIÃO!!!


O Psicanalista e o…dinheiro


Parece que os primeiros analistas eram modestos e não muito ambiciosos em termos materiais. Quando Freud descreveu o seu método de tratamento, ele certamente deixou claro que era uma coisa demorada, com sessões de cinqüenta minutos, quatro ou cinco vezes por semana. Ele também achava que o paciente devia usar o divã. Isso tudo para facilitar o que ele considerava crucial no processo psicanalítico: o desenvolvimento e a resolução na Neurose de Transferência.
Por muitos anos os psicanalistas seguiram suas recomendações e confirmaram que elas faziam bom sentido. Como me disse numa ocasião um velho analista de Baltimore: “Nós temos muita satisfação na nossa profissão, apesar dos poucos ganhos materiais.” Quando eu fiz a minha primeira análise em Baltimore, USA, com um analista que acabou sendo o presidente da Associação Psicanalítica Americana, ele vivia uma vida modesta, morava num apartamento simples com a sua esposa e tirava férias duas vezes por ano: no mês de agosto e em dezembro para ir ao Congresso da Associação Psicanalítica Americana em Nova Iorque, por uma semana. Eu tive sessões quatro vezes por semana durante os três anos e meio em que fiz análise com ele.Quando iniciei a minha psicanálise, eu era um residente em psiquiatria e ganhava muito pouco. Depois de uma entrevista e de um período de psicoterapia semanal, ele recomendou a psicanálise a um custo muito baixo por causa de minha situação financeira. Com o tempo, na medida em que consegui ganhar mais no meu trabalho, o preço das sessões foi subindo. Claro que tudo descontado do Imposto de Renda. No fim de cada mês ele me dava sua conta no seu papel timbrado, especificando o número de sessões e o custo total. Na sessão seguinte eu lhe pagava com cheque nominal.
Comparemos agora esse cenário com o que eu encontrei e vejo até hoje em Belo Horizonte. Acho que não existe um analisando aqui que faz psicanálise três vezes por semana. Não digo nem quatro. O que as pessoas chamam de psicanálise aqui lá seria chamado de Psicoterapia Psicanalítica. Geralmente são sessões uma vez por semana ou até menos, quase sempre bem remuneradas. Entre a minha experiência lá e o que eu percebo aqui, há uma grande mudança. Ao chegar a Belo Horizonte em 1974, primeiro eu percebi, e achei muito estranho, como os psicanalistas eram muito ambiciosos em termos de ganhos materiais. A psicanálise chegou aqui e começou a ser difundida como um procedimento sempre muito caro. Com certeza isso era racionalizado como sendo “terapêutico”, porque “assim os analisandos iriam valorizar mais as suas sessões e trabalhar mais assiduamente nelas”. Quase todos os analistas cobravam dos seus pacientes os meses em que tiravam férias e pelo menos um cobrou de sua analisanda o tempo em que ele esteve fazendo uma viagem à Europa.
Fiquei impressionado com a capacidade dos meus colegas aproveitarem da transferência e de racionalizar a razão dessa cobrança excessiva como sendo algo muito bom… “para o analisando”. Imagino que como a maioria dos analisandos não poderia nunca pagar sessões quatro vezes por semana a esses preços, a noção de psicanálise em Belo Horizonte foi mudando. Passou a não ser teoricamente importante a freqüência das sessões. Isso era considerado uma bobagem, pois o que era mais importante era o que se passava entre o analista e o analisando. Mas não apenas isso foi mudando. Os analistas mais procurados começaram a fazer grupos (sempre mais lucrativos em termos de horas trabalhadas), às vezes misturando-os com sessões individuais. Para resumir, a psicanálise aqui foi virando uma bagunça que passou a responder, acima de tudo, aos anseios materiais inconfessáveis dos psicanalistas.
Antes de prosseguir, deixem-me esclarecer que para mim a psicanálise inventada pelo Freud, com sessões de cinqüenta minutos, pelo menos três vezes por semana, no divã, é necessária, mas se aplica a um número muito pequeno das pessoas que nos procuram em busca de ajuda. A grande maioria de nossos pacientes pode e deve ser tratada com uma combinação de psicoterapia psicanalítica e medicação psiquiátrica, quando isso se torna necessário. Entre esses, muitas vezes a família e/ou o cônjuge deve participar (já falei sobre isso num dos meus artigos anteriores).
Para complicar, também depois apareceu Lacan. Claro que “com tudo muito bem embasado teoricamente” – nem sempre de uma maneira que o cidadão comum pudesse entender ele acabou ajudando os analistas a receberem em dinheiro cada sessão (lá se vai a dedução do imposto…) e foi além. Nem as sessões que até então duravam cinqüenta minutos permaneceram como tal.
Apareceu um tal de tempo lógico que permitia ao analista encher a sua sala de espera e decidir quanto tempo ficar com cada analisando, que pagava sempre a sessão integral. Tudo isso continuando a ser chamado de psicanálise.É claro que os analistas ambiciosos adoraram essas mudanças teóricas e práticas porque até então, com sessões de cinqüenta minutos, eles estavam limitados a certo número de pacientes que podiam atender num dia.
Vamos fazer os cálculos. Um analista com pacientes quatro vezes por semana, em sessões de 50 minutos, trabalhando 40 horas por semana, pode ter no máximo dez pacientes. Para poder manter esses pacientes, ele teria de cobrar uma quantia possível para os seus bolsos. Claro que aí haveria uma variação, dependendo dos rendimentos e reservas de cada um. Mas, para efeito de nossos cálculos, vamos imaginar que o analista cobrasse 100 reais a consulta. Isso daria quatrocentos reais por semana e 1800 reais por mês (quatro semanas e meia). Multiplicado por dez pacientes, esse analista teria um rendimento de 18 mil reais por mês; nada mal para um país onde o salário mínimo é em torno de 500 reais por mês. Vamos que ele cobrasse um pouco mais, selecionando uma clientela mais afluente. Poderia cobrar 150 reais por sessão e receberia no caso 27 mil reais por mêsAgora comparem isso com os analistas “bem sucedidos” que cobram mais do que isso, com sessões uma vez por semana. Passam a poder ter quarenta pacientes, digamos pagando, por baixo, 200 reais por sessão. No fim do mês… 32 mil reais. Isso se cada sessão tiver cinqüenta minutos. Pois bem, com o tempo lógico, então esse analista pode ter dois pacientes por “hora” de cinqüenta minutos e aí já vamos para 64 mil reais por mês… salário de gente muito afluente. A pergunta inevitável e muito importante é se esse tipo de psicanálise é bom para o analista, para o paciente ou para os dois.
Será que esse procedimento deveria ser chamado de psicanálise? Não estou nem falando dos analistas que vem de fora e que marcam três sessões por dia para os seus pacientes, atendendo-os durante os poucos dias que ficam aqui… Ou dois analisando que procuram um analista lá fora e também são atendidos duas ou três vezes por dia para justificar os seus gastos com a viagem. Sempre a mesma pergunta: bom para quem?
O que eu estou querendo dizer é que, na medida em que os analistas ficam muito ambiciosos em termos materiais, eles acabam matando a galinha dos ovos de ouro. Acabam ficando sem pacientes realmente psicanalíticos e aí se queixam disso. Um famoso analista americano, numa ocasião, fazendo uma conferência em Londres, reclamou que os pacientes psicanalíticos estavam desaparecendo nos Estados Unidos. Ao que um analista britânico retrucou: vocês já experimentaram reduzir o custo das sessões?
Sem dúvida a psicanálise tem perdido o prestígio, e os pacientes potencialmente psicanalíticos estão procurando tratamentos rápidos, geralmente baseados em medicação psiquiátrica, com consultas infreqüentes. Minha impressão é que isso ocorre por causa do custo das consultas dos psicanalistas e até também dos psiquiatras.
Já sei. Já sei… já antecipo os argumentos querendo anular o que eu venho falando até aqui. Por exemplo, o número de sessões não tem nada a ver. É coisa burocrática não relacionada com o processo psicanalítico. Freud falou isso porque naquela época ele ainda não conhecia as novas teorias, especialmente as de Lacan. E que o tempo lógico é muito importante para cortar o blá-blá-blá do paciente e para discipliná-lo a realmente falar das coisas mais importantes. Ou, com os nossos melhores conhecimentos e experiências, hoje podemos fazer as mesmas análises que Freud e seus seguidores faziam, com menor número e duração das sessões. Entendo, considero todos esses argumentos, mas não estou convencido. Qualquer terapeuta que se preze sabe as diferenças no andamento da psicoterapia ou psicanálise com a mudança do número e duração das sessões.

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